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Porto da Pedra se inspira em literatura para sua volta no Grupo Especial de RJ em 2024

Na sua volta ao Grupo Especial das escolas de samba do Rio de Janeiro, a Porto da Pedra optou por um tema inspirado na literatura para o desfile de carnaval de 2024. A escola, conhecida como Tigre de São Gonçalo por causa de seu símbolo, apresentará na avenida o enredo intitulado “O Lunário Perpétuo: A Profética do Saber Popular”. O texto introdutório criado pelo carnavalesco Mauro Quintaes já indica o propósito da agremiação em valorizar o conhecimento em suas diversas formas, incentivando a reflexão, discussão e ensinamentos. O texto divulgado no site da escola ressalta a manifestação do saber popular por meio de práticas que definem a identidade cultural.

O retorno da Porto da Pedra à elite do carnaval do Rio foi conquistado com o campeonato no Grupo da Série Ouro em 2023. O enredo vitorioso foi baseado no livro “A Jangada: 800 Léguas pelo Amazonas”, escrito por Júlio Verne, mesmo sem nunca ter pisado em solo brasileiro. A escola proporcionou ao público uma grande aventura do imaginário humano na região amazônica, encantando a todos.

“Depois de termos feito a Invenção da Amazônia, que foi o último enredo em que a escola foi campeã e abordava a visão do Júlio Verne sobre uma Amazônia que ele nunca conheceu, dessa vez adentramos no universo do Lunário Perpétuo”, afirmou Quintaes em entrevista à Agência Brasil.

Segundo o carnavalesco, a escolha do enredo surgiu a partir de uma informação que ele ouviu em um programa da Rádio MEC. “A ideia veio enquanto eu dirigia e escutava um especial do Elomar, um cantor das décadas de 70 e 80, na Rádio MEC. No programa, eles mencionaram a parceria entre Antônio Nóbrega e o Armorial de Suassuna [o escritor Ariano Suassuna]. Chegando em casa, fui pesquisar o trabalho de Nóbrega e me deparei com o Lunário Perpétuo, que é de sua autoria. O nome despertou minha curiosidade e iniciei a pesquisa, descobrindo o almanaque Lunário Perpétuo, que se tornou o enredo.”

De acordo com Quintaes, o Lunário Perpétuo foi escrito em 1594 pelo espanhol Jerónimo Cortés, e ao longo dos anos foi assumindo diferentes formas, aproveitando-se dos equipamentos de impressão criados por Johannes Gutenberg, um alemão que viveu por volta de 1430, que auxiliaram na disseminação dos almanaques.

Este é um livro que oferece orientação sobre astronomia, agricultura, saúde e o uso de ervas. Além disso, ele mostra qual é a melhor época para plantar. O Lunário Perpétuo foi como o Google daquela época, e o que torna a nossa história ainda mais brasileira, mais nossa, é que ele chegou ao Brasil junto com a família real. De acordo com o folclorista Câmara Cascudo, o Lunário Perpétuo foi o livro mais lido no Nordeste durante 200 anos. Ele orientava uma série de atividades relacionadas à natureza na região nordestina e, segundo Câmara Cascudo, também ensinou milhares de nordestinos a ler e escrever.

Com base nessas informações, eu e Diego Araújo começamos a elaborar o enredo que a Porto da Pedra vai levar para a Passarela do Samba. Fizemos uma divisão histórica da trajetória do que chamamos de “livrinho precioso”, como diz o músico e multiartista Antônio Nóbrega.

Começamos abordando os alquimistas, que são responsáveis por todo esse processo. Em seguida, falamos da chegada do almanaque ao Brasil, que marcou o início do conhecimento brasileiro. Depois disso, falamos sobre os presságios dos astros e entramos no Manoel Caboclo, um gráfico que difundiu tradições e astrologia. Nesse ponto, já estamos no Nordeste. Abordamos então a cura da alma, ensinada pelo Lunário através das benzedeiras e das folhas. E então chegamos ao mais contemporâneo, o Ariano com o armorial dos folguedos populares, e apresentamos Antônio Nóbrega como o brincante e divulgador do Lunário Perpétuo. Com isso, mostramos uma linha cronológica que começa na era medieval e chega até os dias atuais. Vale ressaltar que Nóbrega, de 71 anos, participará do desfile.

A Porto da Pedra abrirá os desfiles no Sambódromo no dia 11 de fevereiro, um domingo. Para o carnavalesco Quintaes, isso não é um problema, pois ele conta com a força da comunidade que envolve a escola. Segundo ele, a desvantagem de ser a primeira escola é ter um público que ainda está tentando entender o que será o carnaval deste ano.

O carnaval se mantém vivo porque é imprevisível. Às vezes, esperamos por trabalhos ruins e somos surpreendidos por algo maravilhoso, ou esperamos algo maravilhoso e nos decepcionamos. Na teoria, o público é frio porque ainda não sabe o que irá presenciar. Tentaremos minimizar isso trazendo a comunidade de São Gonçalo para dentro da Marquês de Sapucaí. Além disso, o samba enredo também ajudará na comunicação com o público.

Há 26 anos, quando a escola de São Gonçalo ascendeu ao grupo especial, Quintaes também era o carnavalesco. Agora, ele repete o feito em 2023. Ele revela outra coincidência: o cantor Vantuir também era o intérprete do samba enredo naquela época. “Estou reescrevendo a história. Há 26 anos, subi com a Porto da Pedra, ganhamos no grupo de acesso, fomos para o grupo especial e conseguimos um quinto lugar. A minha volta e a de Vantuir têm essa mística. Vamos ver se conseguimos repetir a história.”

No momento, os compositores estão na fase de elaboração dos sambas, e a seleção começará no dia 12 de agosto, quando a Porto da Pedra inaugura sua nova quadra após uma grande reforma. Segundo o carnavalesco, o enredo foi muito bem recebido pelos integrantes e pela comunidade do samba. “A expectativa após A Invenção da Amazônia era grande para saber o que viria depois desse sucesso. Acredito que conseguimos, pelo menos, igualar A Invenção da Amazônia com o Lunário Perpétuo.”